"Hoje, esse estranho gesto interior de amizade - a mão estendida por mim para mim mesma, quando não há mais ninguém por perto para oferecer consolo - me lembra algo que me aconteceu certa vez em Nova York. Uma tarde, entrei em um prédio comercial às pressas, e corri para o elevador que estava parado. Ao entrar, vi a mim mesma de relance no reflexo de um espelho de segurança. Naquele instante, meu cérebro fez uma coisa esquisita - enviou a seguinte mensagem, que durou uma fração de segundo: "Ei! Você conhece aquela mulher ali! Ela é amiga sua!" E eu, de fato, saí correndo em direção ao meu próprio reflexo com um sorriso no rosto, pronta para cumprimentar aquela moça de cujo nome eu havia me esquecido, mas cujo rosto era tão conhecido. Em uma fração de segundo, é claro, percebi meu erro, e ri, envergonhada por não saber como funciona um espelho, feito um cachorro. Por algum motivo, porém, torno a me lembrar desse incidente nesta noite, durante minha tristeza, e vejo-me escrevendo este reconfortante lembrete no pé da página:
- Nunca se esqueça de que, um dia, em um instante de espontaneidade, você reconheceu a si mesma como uma amiga.
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Caio no sono segurando o caderninho bem apertado contra o peito, aberto nessa última frase reconfortante. Pela manhã, quando acordo, ainda posso sentir um ranço da fumaça do charuto da Depressão, mas ela própria não está por perto. Em algum momento da noite, levantou-se e foi embora. E sua amiga Solidão também deu o fora."
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(Do livro Comer, Rezar, Amar)